sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

BISPODOROSÁRIO-ARTEBRUTA-ARTECONCEITUAL-DESRAZÃO-PENSAMENTO-LABIRÍNTICO-DOENÇAMENTAL-PSIQUIATRIA-SOCIEDADEDECONTROLE-LINHADEFUGA-AUTOPOIÉSIS-ESQUIZO

READY MADES POR ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO
Posted by Picasa

CINEMA-FILOSOFIA-ARTE-TEORIADAARTE-HISTÓRIADAARTE-DESRAZÃO-DOENÇAMENTAL-RAZÃO

“Do enigma de Kaspar Hauser.”
Ana Paula Pessoa

Conta lenda que Kaspar Hauser teria nascido na cidade de Nurenberg em 1828 e crescido preso num calabouço sem contato com o mundo exterior e os seres humanos, pois lhe deixavam alimento à noite enquanto dormia. No filme “O enigma de Kaspar Hauser”, Werner Herzog apresenta o choque do encontro desse estranho com a civilização branca européia, o processo de socializar alguém que não tem referências morais ou espaciais, os atritos entre “as verdades” instituídas e um entendimento muito próprio da vida construído por Kaspar.

Durante sua breve estadia entre a humanidade o protagonista passa pelos mais diversos mecanismos de socialização e repressão, da corte à prisão, passando por casas de família, por um professor cristão-humanista, pela catequese protestante e até por um circo de estranhezas que o coloca como um dos quatro enigmas do universo! O personagem encarna a alteridade que só os loucos conhecem recoberta por uma ingenuidade infantil que o permite criar uma lógica própria.

A razão clássica cresce dentro de uma ética do pensamento ordenado, e a loucura é percebida como uma escolha. Essa escolha da loucura em nada ajudaria na busca pela verdade, visto que seria oposta à dúvida que é metódica em sua natureza e envolta por essa “vontade de despertar”.
“Assim como o pensamento que duvida implica o pensamento e aquele que pensa, a vontade de duvidar já excluiu os encantamentos involuntários do desatino e a possibilidade nietzschiana do filósofo louco.” (Foucault, p.142) A dúvida Cartesiana via a loucura ao lado do sonho e do erro. “Se o homem pode ser louco, o pensamento, como exercício da soberania de um sujeito que se atribui o dever de perceber o verdadeiro, não pode ser insensato.” (Foucault p.47)

Kaspar não tem escolha, deve adaptar-se à ordem social. Nesse processo de aprendizagem ele rompe com a lógica científica e com o senso comum e produz um entendimento diverso do socialmente aceito, como na cena em que um professor de matemática o entrevista para medir sua capacidade intelectual. Para tal o professor lança um problema lógico e diz que só há uma única resposta lógica para o problema, mas Kaspar a resolve com sua própria lógica que de fato não está de acordo com a lógica matemática, mas funciona, resolve o problema de uma maneira inusitada.
Nem Kaspar, nem o professor se convencem da resposta um do outro. Nesse e em outros momentos do filme fica claro o mal estar de Kaspar em relação à sociedade, no modo de entender a vida, na ordem social que relega às mulheres tarefas ‘menores’, nos cantos que “soam como gritos” no culto protestante ao qual é obrigado a ir aos domingos, na sua ‘incapacidade’ de aprender rápido o suficiente para viver de forma singular... E em momentos de angústia ele nos diz:
“A música soa forte no meu peito. Estou muito velho... Porque tudo é tão difícil para mim? Porque não posso tocar piano como respiro?” E mais tarde afirma: “Minha aparição foi um golpe duro.” (Herzog)


No século XIX, a razão não terá mais que distinguir-se da loucura e a sua recusa não se fundamentará numa condenação ética, mas numa distância já concedida (Hospitais Gerais). Enquanto que os séculos XVII e XVIII viam na loucura uma escolha oposta ao livre exercício da razão e, por isso, inumana já que configurava um perigo à natureza e à normalidade (homem racional), o século XIX irá se indignar com o tratamento dado aos loucos que até então eram vistos como monstros que deviam ser exibidos.
“A loucura torna-se puro espetáculo num mundo sobre o qual Sade estende sua soberania e que se oferece como distração à consciência tranqüila de uma razão segura de si mesma.” (Foucault, p. 148)

Correm pelo povoado várias versões sobre a origem de Kaspar (príncipe deserdado, fugitivo de algum circo etc), mas ele acaba enquadrado como mais um marginal que precisa ter alguma utilidade na sociedade disciplinar funcionalista. A ordem social de acordo com uma razão compromissada com a nova ordem econômica e moral (Estados Nacionais, Mercantilismo e Reforma Protestante), com uma nova ética do trabalho que trazia consigo “(...) o sonho de uma cidade onde a obrigação moral se uniria à lei civil, sob as formas autoritárias da coação.” (Foucault, p.56)

Com a obrigação de ser produtivo para que o município não carregue mais esse ônus social, Hauser é então dirigido ao entretenimento do povoado no circo de estranhezas, onde é exibido como ‘Kaspar Hauser - O achado’ posicionado como uma estátua na mesma pose em que foi encontrado na praça do povoado. É então apresentado como um dos quatro enigmas do universo ao lado do ‘pequeno rei’ um ‘anão’ que diminui na mesma medida que o seu reino, do ‘jovem Mozart’ garoto vestido de Mozart que fica o tempo todo olhando para um buraco e do ‘hombrecito’ - ‘um índio selvagem neo-hispanico que nunca pára de tocar flauta’. Vemos os rostos de surpresa da população que os vêem como algo espetacular e insólito. É um espetáculo que oferece a diferença como um objeto fantástico, adestrado para o desfile de peculiaridades que fazem brilhar os olhos entediados dos espectadores.

A crueldade é tratada por Herzog, em toda sua obra, como algo natural, intrínseco à própria natureza. Kaspar afirma com segurança: “Para mim os homens são como lobos.” E, mais tarde, diz para si mesmo que quer ser ‘um cavaleiro que voa para um combate sangrento’. Mas ao pensarmos a crueldade apresentada por Herzog não devemos nos ater a um sentido único para a palavra. Antonin Artaud diz que a crueldade significa rigor, aplicação e decisão implacáveis, determinação irreversível, absoluta. “(...) A crueldade é antes de mais nada lúcida, é uma espécie de direção rígida, submissão à necessidade.(...) Uso a palavra crueldade no sentido de apetite de vida, rigor cósmico e necessidade implacável, no sentido gnóstico de turbilhão de vida que devora as trevas, no sentido dessa dor fora de cuja necessidade inelutável a vida não consegue se manter; o bem é desejado, é o resultado de um ato, o mal é permanente.(...)” (Antonin Artaud)

O filme acontece na época da Sociedade Disciplinar, na qual a diferença é excluída e esquadrinhada para a manutenção da ordem racionalista. “Trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo; trata-se de lhe impor uma ordem.” (Foucault “Vigiar e punir” p.127) Época do Hospital Geral de Paris onde todos os desviantes sociais se encontram: loucos, doentes venéreos, sodomitas, alquimistas, desempregados, miseráveis, enfim todo aquele que de alguma maneira estaria fora ou às margens da ordem social dominante. Em pouco tempo cerca de 1% da população Parisiense estaria internada.


Nessa época, a Igreja Católica cria congregações que se propõem finalidades análogas às dos Hospitais Gerais. A Reforma Protestante converte os bens eclesiásticos em obras hospitalares através da laicização. A partir do concílio de Trento, a Igreja Católica tenta obter o mesmo dos bispos e apóia a Grande Internação prescrita por Luís XIV. A miséria passa de uma experiência religiosa que a santifica para uma concepção moral que a condena.

Ao ser questionado por dois pastores protestantes qual a sua noção de Deus, Kaspar responde que não entende a pergunta, que no cativeiro não pensava e não consegue imaginar que Deus do nada tivesse criado tudo como eles tinham afirmado. Os religiosos afirmam que ele deve tentar admitir o mistério da fé sem procurar entender, mas Kaspar responde: “Primeiro preciso aprender a ler e a escrever melhor para compreender o resto.” Kaspar é um grande enigma para todos que o vê como anormal, mesmo com sua postura de curiosidade para com o conhecimento.

Com o paradigma: homem racional = natural / normal, os insanos tornam-se aos poucos doentes. A loucura desde então é a distância do homem em relação à natureza, subproduto da civilização e de seu progresso, efeito da exacerbação das paixões devido à distância do homem em relação à natureza. Como objeto de conhecimento a loucura torna-se também objeto de alienação. “O louco é espelho da humanidade, misto dos seus desejos mais primitivos e dos estragos causados pela civilização.” (Pelbart, p.61)

Talvez os sonhos e visões de Hauser possam nos dar alguma pista do seu enigma e funcionem como revelações do sentido da existência:
“Eu vi uma montanha e muita gente. Estavam todos subindo a montanha como uma procissão. Havia muita neblina. Eu não conseguia enxergar claramente. E lá em cima estava a morte.” (Herzog)
“Vejo uma grande caravana que vem pelo deserto atravessando a areia. E esta caravana é guiada por um velho berbere. E este velho é cego. A caravana parou. Alguns acreditam que eles se perderam, pois se deparam com as montanhas. Eles não conseguem seguir a bússola. Então o guia cego pega um punhado de areia e a come como se fosse comida, e diz: “meus filhos, vocês estão errados, isto diante de nós não são montanhas e sim apenas sua imaginação. Prosseguiremos para o norte.” E então sem discutirem, eles prosseguiram adiante e chegaram na cidade. E lá a história continua, mas eu não sei. ” (Herzog)

É no século XIX que surge a idéia da loucura como desordem no espírito, afecção, paixão da alma. A separação corpo e alma divide a nascente psiquiatria em duas vertentes: uma materialista e outra espiritualista. “(...) ou a loucura é uma afecção orgânica de um princípio material, ou é a perturbação espiritual de uma alma imaterial.” (Foucault, p.213)

Kaspar morre e seu corpo autopsiado torna-se prova de sua ‘anomalia’: “Uma anomalia estranha. Anomalia do cerebelo muito desenvolvido e deformidade no hemisfério esquerdo menor que o direito.”(Herzog)
A ciência contribui para a manutenção de uma visão mecanicista e funcionalista da vida em que o corpo útil é o corpo inteligível. O escrivão sai do necrotério alegremente dizendo: “Um lindo processo. Um processo perfeito. Lavrarei um processo sobre a deformidade encontrada em Hauser. Finalmente temos a melhor explicação que podíamos achar sobre este estranho personagem.” (Herzog)






BIBLIOGRAFIA:

FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. São Paulo: Editora Vozes, 1999.
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo.
PELBART, Peter P. Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão. São Paulo: editora Brasiliense, 1998.
HERZOG, Werner. O enigma de Kaspar Hauser. Alemanha, ano?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

arte-inconsciente-maquínico-desrazao-auto-poiésis-artebrut-gestual-expressão-educação

Após um período de recolhimento, estamos de volta com a pesquisa "O inconsciente nas artes visuais". Ana Paula Pessoa e Marina Cardoso, artistas - pesquisadoras, darão continuidade com a produção textual e imagética sobre o tema.
Publicaremos nesse blog a produção alcançada e textos antigos também.
Fiquem de olho!
Posted by Picasa

Arte e inconsciente - pesquisa em artes visuais

Jean Dubuffet - arte brut
Posted by Picasa

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O INCONSCIENTE NA ARTE

O projeto O inconsciente na Arte, iniciado em 2004 no âmbito dos Cursos de Graduação da Escola de Belas Artes da UFBA, questiona as relações existentes entre Arte e Loucura e a validade dos discursos legitimadores da obra de arte fundados na supremacia do ego ou de uma pura racionalidade. A fundamentação teórica para esta aventura auto-poiética parte de linhas conceituais diversas que convergem numa prática na clínica psiquiátrica, a saber: filosofia; psicologia; teoria e história da arte e arte-educação.

Teoria & cinema
Produção de textos relacionando a teoria estudada com filmes de temáticas afins, assim como criação de vídeo “Omnitudo realitatis” em 2006.1, exibido no Encontro de Artes e Saúde Mental na UERJ, visto como recurso metodológico sintetizador das atividades realizadas.

Arte-educação & clínica
O Atelier de Criação visa desenvolver uma ação pedagógica relacionando os campos arte, clínica, educação, em que o ato artístico funciona como uma tentativa de produção de sentido e de territórios subjetivos de acordo com uma lógica inclusiva que busca integrar o corpo ao conhecimento prático e intelectual das artes. Essa produção de sentido está além da produção de significados, sendo o efeito de uma experiência intensiva.
É pensar o processo de formação como processo de transformação e autoconstrução.

Ana Paula Pessoa e Vladimir Oliveira deram início às atividades do Atelier em 2005.1 no CAPS Nizinga em Paripe. Em 2006.1 o Atelier foi conduzido por Ana Paula Pessoa no CENA hospital-dia anexo ao HJM e em 2007.1 no CAPS Adilson Sampaio em Itapagipe foi orientado por Marina Cardoso e Ana Paula Pessoa. Em 2007.2 realizamos uma exposição “Visões do labirinto” na Escola de Belas Artes da UFBA reunindo os trabalhos feitos nos 3 Ateliês, ciclo de palestras com profissionais do Museu Imagens do Inconsciente (R.J) e oficina do Atelier para interessados.

Teoria e história da arte
Produção de textos sobre teoria e história da arte num diálogo com os conceitos de Jean Dubuffet de Art Brut, de Deleuze e Guattari, Niezstche, Artaud, Van Gogh, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Arthur Bispo do Rosário, Fernando Diniz, Foucault entre outros.

Orientadora: Alejandra Muñoz - Departamento I de História da Arte e Pintura
Estudantes - pesquisadores: Ana Paula Pessoa, Vladimir Oliveira e Marina Cardoso